Meu samba azul
no azul azul o sosl espalha o som
no corpo a água lava a sede
insensato movimento. Tô maluco
tô doente do peito. Tic-toc.
meu primeiro amor foi um rock
o samba a luz de todo dia
arrasto o pé tragfo o teu salto
no quadril meneios abraçam
ao som da roda viva
no ritmo quente do corpo.
meu amor foi ali, mas voltou logo
trouxe uma flor no seu vestido azul
trouxe o céu rasante na poeira do lugar
veio fluído, dançando ao vento sul.
canto para você esse samba azul
se solo assobio no coração
samba-enredo só na escola
cadência do corpo amora.
Baila o pensamento
os passos na retina
a fuga continua linha
nos espaços
o pensamento dobra
ante o corpo da bailadora
móvel esférico
assintático
porque a palavra não sai
quando a fala sussurra
olho o corpo ao vento
pena que escorrega no toque
natural no passear
leva salto
ritmo sincopado
sopro um compasso outro
o coração evapora, baila
sob o ouvido musical
123 567 123 567
o mundo agora acontece no gesto.
Zunái - Revista de Poesia e Debates
Volume 4 Número 1 - Agosto 2018
UM VÍRUS URBANO
Para a Laís Ferreira Oliveira
Nesta casa vazia não mora ninguém.
Um pixel esvaziou-se no cluster.
A aposta se perdeu na senha adulterada.
O insensível vírus quer cerrar o labirinto.
Refaz-se o caminho na trama codificada.
Onde se descortina a vida sob a retina?
Subo Bahia e viro a esquina. Não é sempre
mas hoje o inesperado supera a rotina.
Oxumaré um arco-íris serpenteia. No corpo
a sede cessa, mas o sangue flui em lavas.
O que me espera? Rubra e luminosa luz
o leito macio o fogo em brasa o ás de copas.
SEVILHA
A pele dourada brilha em sol brando
o espetáculo do olhar não revela
o amargo frenesi da carne carmim
A vista doce, olor de alegria
No passeio longo del Cólon
Vejo Carmem a eterna musa livre
Sua voz ressoa lírica nos ouvidos
Acorda o coração tambor
A paisagem fria, mulheres posam
sob naranjos. Se um quadro fosse
amaria em Sevilha ou em Veneza
amo aqui o amor fatal de los toreros.
Ali, na tarde de ventos gelados,
descubro que no calor das cores
ressoam paixões encobertas
frenesins em alegro moderato.
ELA
I
a clepsidra no clarão alto do dia
embora nublado vê-se o riso claro
óculos escuros confrangem a ave negra
no telhado vizinho da serrano.
é dia e o turbilhão passa
enquanto passeio com borges.
II
uma mulher romana não conta a si
mesma, dizia Yourcenar,
Marguerite, contrariada.
Certamente. Não a minha,
firme, segura, não desapruma
o discurso no doce sorriso.
III
O corpo nu flui na água livre
Olho medusado, não desço
para não perder o encanto.
Afinal, por que existe o canto
da sereia?
A música entra nos ouvidos
a cerveja esquenta enquanto
ela vem com amores e beijos quentes.
IV
Na serra, subimos ao alto
ouvindo o doce canto da bica.
Inspiro expiro transpiro.
Segura ela vai à fonte.
V
Em Recife viajamos no tempo,
olho as fachadas das habitações
em busca de Manuel Bandeira.
Atravessamos o capibaribe,
passamos pela rua da união,
adentramos o velho centro.
Eu olho, ela vê uma antiga
civilização, um centro comercial.
Desconfio que ela reconhece Nassau,
e conversa com outros manueis.
Eu, penso na forra quando chegar
ao Leite centenário, desce um
bacalhau.
VI
No Rio não há tristeza. Se há,
ela olha o pão de açúcar, a pedra
da gávea. Notícia ruim sucumbe
a um passeio na urca, ou fluir
nas delícias de botafogo. Tudo
convida a parar o tempo. Quem
sabe?
AMORES LACRADOS II
Na cidadela húngara
a colina
verga-se
sobre o abismo.
O amor se protege no metal
No último lance
antes do precipício
lacra-se o cadeado.
Abbey Road
(homenagem ao poeta Camilo Lara)
Talvez houvesse um caminho
para atravessar de volta o tempo
mais uma vez
E eu cantaria uma canção
de ninar
Houve outra vez um rapaz
que amava as palavras
sua arte
Como pequenos seixos
no lago
Ele amou o amor como poesia
A liberdade, a música das esferas.
A lírica
é uma canção dos Beatles.
Então
A Abbey Road é um presente
um contínuo do ser
A rua caminha na lua.
E eu caminho em sua sombra.
Não durma. Não
Se alarme.
Não chore.
Pensar é estar doente
do coração.
Ele quis
um grão de areia
preso a uma estrela.
Deve haver uma maneira
de ter de volta o tempo
além do tempo.
E eu cantarei
uma canção de Ninar.
(dez. 2016)
NÓS DA POESIA. – volume 8 – Brenda Marques Pena, org. São Paulo, SP: All Print Editora, 2022. 119 p. ISBN 978-65-5822-152-4
Ex. bibl. Antonio Miranda
MEMÓRIAS
Uma, duas
três argolinhas.
Sob idêntico céu
olhar de bicho antropófago
meninas de pernas-doce
batem saltos em Liberdade.
ESCAVAR O TEMPO
o tempo escava
a paisagem veloz
por trás a vida
da luxuriante vária
cidade
Nela encravado
o Liberdade em suas cores
comércio de miudezas
sabores odores dores
coarte de têmpera
forte
esquecem os horrores
de hoje e ontem
no campo da forca
sombras enovelam-se
desfilam sob a luz artifício
fantasmas de amarelo-matiz
a indagarem a noite e a lua
na manhã do novo dia
o velho riacho cala-se
ou assim parece
grita o cartaz eloquente
contra a fome e a miséria
ainda soa fresco
educação de qualidade
para todos
e o poste em sua luz
porta-bandeira da utopia
um raio em placa metálica
de qualquer esquina
do outro lado
o riacho corte de adaga
perpassa o jardim
em frente
sua língua átona diz
o tempo é devir
e viver a liberdade
entre os não livres,
já se disse,
não será liberdade
PIXOS NUM MURO
pichar o antídoto
contra a indústria
e sua doce coca
para calar a diferença
e fora todo o edifício
seu disfarce e poder
a ofertar o alucinógeno
que apascenta o gado
que produz a necropolítica
a destruição vital
contra todo o canto
singulariza e eleva
a palavra-granada
dinamite signo
bradava Drummond
o contracanto
derruição da ilha
não a de robson
o que sabota o espírito
e caminha sobre os mortos
e que faz negócio da felicidade
e que tem a lavra alheia
a fácil riqueza
o negócio da mais valia
o revés do mundo
é o poema
a língua errática
dura e livre do poema
a rebater os sentidos
a esmurrar as certezas
a furar o núcleo
oco da mente
onde a intolerância
alimenta o falto
e o faz reverberar
confusas notícias
o poema assim como
uma bala no coração
vivo mecanismo a fazer
ondas que deixam ver
encoberta pelo vale
de lágrimas em rumo
certeiro e astronave
contra o muro de pedra
Nota: Estes poemas constituem uma versão modifica e desenvolvida do poema feito para Liberdade, ambiente poético 3D imersivo, dirigido por Alkmar dos Santos e Chico Marinho em 2013.
Cf Liberdade versão 5 para Windows:
http.//www.ciclope.com.br/download/liberdade5.zip (147 mb)
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PELADA POÉTICA: antologia. Organizadores: Júlio Abreu e Mário Alex Rosa. Belo Horizonte, MG: Scriptum, 2013. 118 p.
ISBN 978-85-89-044-69-1 Ex. bibl. Antonio Miranda
GOL DE LETRA
1.
Do gol contra ao gol
armado
no meio
contra a meta
defesa do arqueiro
intercepta
a certeira
flecha
resvala
o prêmio ao atacante
matreiro
escreve
1 X 1
2.
Na olímpica festa
Deus conferência
não joga dados
enquanto
os anjos riscam no azul
outra página
um anjo torto elabora seu cálculo
de atléticas formiguinhas que avançam
e recuam e negaceiam e buscam
as pernas tortas de outro anjo
entregue a uma maravilhosa dança
estranha
malemolência
concreta
ritmo líquido
morno
inquieto
se infiltrando
na arena adversária
segue a música invisível
agreste
no compasso
na malícia
do poeta jogador no lance
de dados a bola
semiviva
astúcia dos pés
e é
G O O O L
DE
O
LETRA
2 X 1
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BOCA NA PALAVRA vias do canto. Organizadores: Mário Alex Rosa e Wagner Moreira. Belo Horizonte, MG: Impressões de Minas, 2019. 95 p. ISBN 978-S85-63912-66-3 96 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda
A TRUTA
Na luz de ouro
outra luz submersa
passeiam relâmpagos
A sinfonia tece-se em lá
maior. A vara espera
o braço longo projeta-se.
No limiar do azul
a noite ainda
não sobreveio.
Nuvens nágua fria.
O céu baixa seus olhos.
Espera entre espelhos.
O que se passa
no pérfido
ribeiro?
O PESCADOR
O sonho de outra noite
prolonga o dia interminável.
O horizonte dissolve-se no olhar.
Um resto de sol bate morno na água
fria onde feliz viaja o cardume.
A truta desliza mansa e voraz.
O braço tenso e imóvel estende
a vara, e linha dança a música
suave das águas. O vento parou.
Na bucólica paisagem uma sonata
tocaria o pensamento, não houvesse
suspense. A truta vai morder a isca.
O olhar se perde no deslumbre das águas.
Coloridas formas alongadas no espelho
cristalino. Narciso Ribeiro encantou-se.
O RIACHO
Fluem águas horas dias meses anos
Os séculos acumulam histórias. O tempo
são feixes contínuos, mônada impenetrável.
Minhas águas como o rio de heráclito vivem
misérias e gozos, oh intempéries
tudo se repete num diferente existir
O que se vê de fora a face cristalina
camuflagem do motor sutil da dura
ação, escaloutra de tempos e espaços
agora mesmo a luz penetra-me levemente
a pele, aquece-me na morna loquacidade
estiro-me num crepúsculo de monet
a noite lúgubre se aproxima lenta letal
os atores extasiam-se na performance
a truta o barquinho lúdico o ser inexorável
da sombra fria o risco serpenteia arisco
a truta engoliu o anzol o jantar a escapar
a boca feroz golpeia o que jaz na vertical
as últimas bolhas se apagam como estrelas
meu fluido corpo se aquieta desde o fundo
o jacaré disfarça-se no se sono de pau
o barquinho quedou-se numa margem
à espera pois haverá buscas ansiosas e
o destino se tece conforme a boca grande.
O ASTRO BACO
Estendo meu arco de pura melancolia.
O que em baixo habita orbita meu humor.
Nem toda tristeza é triste, nem toda
luz esplende o amor que cativas.
Há mais comédia que drama
sob a luz, a sua bala de prata.
5 . OS PEQUENOS AMORES
para Cláudia Chaves
Amam de modo igual na madura estação
Como os gatos poderosos e suaves de Baudelaire.
Os cães fiéis, forte afáveis, os orgulhos da casa.
Quase nunca frios, talvez um pouco desobedientes.
Amigos da volúpia e da alegria imponderável,
sem que a ciência lhes impeça a aventura,
com o pesar dos pequenos seres que habitam
[o quintal.
Com alguma crueldade requentam o dia morno.
Mas sonham quando dormem com as nobres atitudes.
Desdenham a pose, a esfinge, se não for para um bote,
nem consideram a solitude num jardim estrelado.
Nas pupilas um halo de mansidão pode esconder o perigo.
7. CABEÇA À BESSA
desfocar o rosto na face do dia
encontrar na pupila alerta o passo
a mansidão a gazela alegre o boi
monocórdico o lince inamistoso
o rosto na quadratura do círculo
o revés do homem o ser ignoto
a cabeça do esplêndido animal
a orelha longa perscruta longe
responde a musculatura contrita:
à tardinha os lobos bebem água.
12 DIGA-LHE, AFETUOSO
se o amor persistira na fimbria do dia
se o pierrô amará no próximo carnaval
se os desanimados haverão de calar
se o grito alcançará o coração desiludido
se a morte é a senha para o extraordinário
se o tempo é que me rouba a claridade
se a máquina que roda é minha loteria
se o pós-futuro é o domingo pretérito
se o canto inaudível é um grito sozinho
se a pedra surda repercute o outro
se neste circo serei sempre o palhaço?
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/minas_gerais/minas_gerais.html
Página publicada em maio de 2023
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Página ampliada e republicada em maio de 2023